Dentro de um quarto fechado, Timóteo, mais conhecido como Tito, tentava escrever algumas palavras. Ele estava sentado em sua cama de casal. O cobertor era vermelho, rubro, e o lençol branco aparecia na cabeceira da cama, assim como as fronhas brancas dos travesseiros fofos nos quais ele se encostava. Estava sentado com os joelhos recolhidos. Um bloco de papel amarelo estava encostado contra os seus joelhos. Tito batia o lápis contra o canto superior direito do bloco, às vezes acertando o próprio joelho, mas não corria risco de hematomas algum.
De tanto olhar para o papel, as paredes começaram a mudar de cor. Sua vista desfocou e o quarto começou a girar. As paredes brancas mesclavam com as cores dos quadros de rock dos anos 80 pendurados na parede. Colocou para o lado o bloco de papel amarelo e o lápis de cabo azul metálico. Tito escorregou para deitar-se. O mundo continuava rodando. Agora as cores misturavam-se com o som que saiam dos quadros dos anos 80. A escrivaninha já tinha se transformado em um borrão marrom, parecendo que alguém tinha jogado algo que ele não queria verbalizar para não se lembrar do cheiro. A luz se apagou, mas tudo continuou a rodar claramente. As cortinas de pano da janela pequena tentavam se juntar às cores. Demoraram um pouco mais, pois estavam presas e tardaram para se soltar. O azul e o verde lá de fora já tinham invadido o quarto.
Tito não sabia o que fazer. Fechava os olhos e parecia navegar. Abria os olhos e via tudo girar. Começou a praguejar mentalmente. Ele reclamava do bloco de papel amarelo. Fora tudo culpa do bloco de papel amarelo. Ah! E do lápis azul metálico também. Se o bloco não fosse amarelo, talvez nada estaria assim. Se tivesse comprado o lápis preto ao invés do azul metálico, não estaria numa montanha-russa de arco-íris e paletas de cores borradas. Ele fora obrigado a estar lá. E Tito nunca gostou de montanha russa, simplesmente porque ele não estava em controle. Ele precisava estar em controle. Não era questão de poder, mas de segurança. Tito se sentia seguro quando estava no controle. Ele não confiava nos cintos de proteção das montanhas-russas. Muito menos depois de ter escutado algumas várias histórias de pessoas caindo do carrinho, sem chance nem de gritar alguma palavra inteligente antes de morrer. Já fora à uma montanha-russa. Saiu de lá mais branco do que sua pele branca de falta de sol. Seu olho estava cheio de lágrima, mas não deixou-as cair. Apenas deixou os olhos abertos para que o vento secasse. E quando percebeu seus pés no chão e o controle quase nas suas mãos, acalmou-se. Ele não precisava do controle de tudo, só a metade.
De repente o quarto pára de girar. A escrivaninha volta a ser escrivaninha. A cortina se cola acima da janela e as cores verdes e azul voam felizes em direção da liberdade. O amarelo ia esmaecendo e o azul metálica voltava para o lápis. Tito lembrou porquê comprara o lápis azul metálico: era pelo reflexo que o metálico fazia quando ele segurava o lápis para escrever. Era poético.
Aos poucos Tito se levanta até encostar-se meio sem jeito, meio pela metade, contra o travesseiro que nunca tinha deixado de ser branco. Mesmo com os pés descalços na cama, ele se sentia calçado e com os pés no chão. Parecia que as coisas estavam mudando. O barco tomava uma nova direção e por mais que ele não sabia para onde o barco ia, ele se sentia seguro. Uma grande reviravolta filosófica para quem precisava sempre estar no controle. O barco ia com a maré e Tito seguia, sentado sozinho no centro de um barco sem vela. Ele começava a ficar moreno com o sol e o sorriso prendia no seu rosto.
Como não tinha mais medo, pegou o bloco de papel amarelo e o posicionou no seu colo. Agora só tinha ele, o barco, o bloco de papel amarelo e o lápis azul metálico no meio de um vasto azul não metálico do oceano sem terra à vista. Começou a escrever: “Eu tinha que escrever palavras de inspiração sobre palavras que, para mim, nada diziam. Eu pensava que estava seguro com as palavras. Eram minhas e de mais ninguém. Me apropriei do seu significado como um ciumento apropria-se do que é dele. Não são minhas. Elas correm de mim. Elas têm medo de possessividade. Eu achei que estava no controle das palavras, até descobrir que não tenho nem controle da palavra controle. Sou eu que digo o que elas são? Essas palavras, o que são elas? O que você, que me lê, entende? São apenas palavras escritas com um lápis azul metálico e jogadas num bloco de papel amarelo. Será que eu tenho controle? Ou será que ela me controla? Ou será que a palavra é um alguém fugindo do medo, em busca de controlar o que ela tem como direito? Estamos destinados a ser verbalizadores, guardiões e carcerários de palavras. Somos ruins, pessoas más com as palavras e um com os outros. Digo que essa palavra é minha e logo vejo-a sendo roubada pelo meu melhor amigo, que será roubado logo após por um completo desconhecido. Mas descobri o mistério das palavras. Com ajuda do meu bloco de papel amarelo e meu lápis azul metálico eu alcancei um paradoxo. Essa palavra que agora vos escrevo são minhas. Apropriadas por mim, sob meu controle. E, ao mesmo tempo, vejo-as soltas, libertadas pelos olhos de quem lê. Então, as palavras sorriem quando nelas eu encosto. Elas sabem que nas minhas mãos elas estarão bem. Não porque cuido bem delas, mas por lhes permitir uma viagem maior, mais distante. E as palavras amam viajar. Não quer dizer que escrevo bem. Digo apenas que escrevo e dou poder àquelas que me permitem ser/estar quase no controle”.
by Liana Guterman
De tanto olhar para o papel, as paredes começaram a mudar de cor. Sua vista desfocou e o quarto começou a girar. As paredes brancas mesclavam com as cores dos quadros de rock dos anos 80 pendurados na parede. Colocou para o lado o bloco de papel amarelo e o lápis de cabo azul metálico. Tito escorregou para deitar-se. O mundo continuava rodando. Agora as cores misturavam-se com o som que saiam dos quadros dos anos 80. A escrivaninha já tinha se transformado em um borrão marrom, parecendo que alguém tinha jogado algo que ele não queria verbalizar para não se lembrar do cheiro. A luz se apagou, mas tudo continuou a rodar claramente. As cortinas de pano da janela pequena tentavam se juntar às cores. Demoraram um pouco mais, pois estavam presas e tardaram para se soltar. O azul e o verde lá de fora já tinham invadido o quarto.
Tito não sabia o que fazer. Fechava os olhos e parecia navegar. Abria os olhos e via tudo girar. Começou a praguejar mentalmente. Ele reclamava do bloco de papel amarelo. Fora tudo culpa do bloco de papel amarelo. Ah! E do lápis azul metálico também. Se o bloco não fosse amarelo, talvez nada estaria assim. Se tivesse comprado o lápis preto ao invés do azul metálico, não estaria numa montanha-russa de arco-íris e paletas de cores borradas. Ele fora obrigado a estar lá. E Tito nunca gostou de montanha russa, simplesmente porque ele não estava em controle. Ele precisava estar em controle. Não era questão de poder, mas de segurança. Tito se sentia seguro quando estava no controle. Ele não confiava nos cintos de proteção das montanhas-russas. Muito menos depois de ter escutado algumas várias histórias de pessoas caindo do carrinho, sem chance nem de gritar alguma palavra inteligente antes de morrer. Já fora à uma montanha-russa. Saiu de lá mais branco do que sua pele branca de falta de sol. Seu olho estava cheio de lágrima, mas não deixou-as cair. Apenas deixou os olhos abertos para que o vento secasse. E quando percebeu seus pés no chão e o controle quase nas suas mãos, acalmou-se. Ele não precisava do controle de tudo, só a metade.
De repente o quarto pára de girar. A escrivaninha volta a ser escrivaninha. A cortina se cola acima da janela e as cores verdes e azul voam felizes em direção da liberdade. O amarelo ia esmaecendo e o azul metálica voltava para o lápis. Tito lembrou porquê comprara o lápis azul metálico: era pelo reflexo que o metálico fazia quando ele segurava o lápis para escrever. Era poético.
Aos poucos Tito se levanta até encostar-se meio sem jeito, meio pela metade, contra o travesseiro que nunca tinha deixado de ser branco. Mesmo com os pés descalços na cama, ele se sentia calçado e com os pés no chão. Parecia que as coisas estavam mudando. O barco tomava uma nova direção e por mais que ele não sabia para onde o barco ia, ele se sentia seguro. Uma grande reviravolta filosófica para quem precisava sempre estar no controle. O barco ia com a maré e Tito seguia, sentado sozinho no centro de um barco sem vela. Ele começava a ficar moreno com o sol e o sorriso prendia no seu rosto.
Como não tinha mais medo, pegou o bloco de papel amarelo e o posicionou no seu colo. Agora só tinha ele, o barco, o bloco de papel amarelo e o lápis azul metálico no meio de um vasto azul não metálico do oceano sem terra à vista. Começou a escrever: “Eu tinha que escrever palavras de inspiração sobre palavras que, para mim, nada diziam. Eu pensava que estava seguro com as palavras. Eram minhas e de mais ninguém. Me apropriei do seu significado como um ciumento apropria-se do que é dele. Não são minhas. Elas correm de mim. Elas têm medo de possessividade. Eu achei que estava no controle das palavras, até descobrir que não tenho nem controle da palavra controle. Sou eu que digo o que elas são? Essas palavras, o que são elas? O que você, que me lê, entende? São apenas palavras escritas com um lápis azul metálico e jogadas num bloco de papel amarelo. Será que eu tenho controle? Ou será que ela me controla? Ou será que a palavra é um alguém fugindo do medo, em busca de controlar o que ela tem como direito? Estamos destinados a ser verbalizadores, guardiões e carcerários de palavras. Somos ruins, pessoas más com as palavras e um com os outros. Digo que essa palavra é minha e logo vejo-a sendo roubada pelo meu melhor amigo, que será roubado logo após por um completo desconhecido. Mas descobri o mistério das palavras. Com ajuda do meu bloco de papel amarelo e meu lápis azul metálico eu alcancei um paradoxo. Essa palavra que agora vos escrevo são minhas. Apropriadas por mim, sob meu controle. E, ao mesmo tempo, vejo-as soltas, libertadas pelos olhos de quem lê. Então, as palavras sorriem quando nelas eu encosto. Elas sabem que nas minhas mãos elas estarão bem. Não porque cuido bem delas, mas por lhes permitir uma viagem maior, mais distante. E as palavras amam viajar. Não quer dizer que escrevo bem. Digo apenas que escrevo e dou poder àquelas que me permitem ser/estar quase no controle”.
by Liana Guterman