3.12.10

POÉTICA EM 3ª PESSOA

Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar. Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar. Se aproximou do jeito que nunca soube fazer. E a abraçou sabendo que não sabia abraçar.
Ele olhou para os olhos dela, mas nada conseguiu ver. Ele beijou um beijo e não sentiu prazer. Ele se afastou por não saber o que fazer. E fugiu sem saber para onde ir.
Ele nunca saiu do lugar. Era sonho. Eram devaneios de uma mente que nega escutar. Mas ele ouviu o que não queria ouvir.
Não dava mais. Não para ela, pelo menos. Ela conhecera outro. Ela não disse isso, mas ela deve ter conhecido. Que outro motivo teria para acabar assim? Sei que as coisas não eram um mar de rosas, mas era nós. E nós éramos um casal. Mas ela não queria mais o ser. O certo é que estava acabado. Estava acabando, mesmo sem ele querer acabar.
Eu não queria acabar. Lembrava do começo e de todas as coisas boas que vivemos. Não lembrava de nada ruim. Naquele momento estava tudo perfeito como deveria ser. Mas ela parecia estar enlouquecendo. Por que? Para onde ela vai? Depois de tanto tempo, como ela vai fazer para se acostumar com minha falta?
Talvez devesse perguntá-la. De repente eu aprenderia e seguiria o mesmo caminho que ela. É provável que ele andaria o caminho contrário que ele queria andar. Ele chegaria sabe lá onde, se ele chegar. E andaria aos tropeços, sem saber para onde ir, pois não há luz no caminho contrário.
De repente eu poderia ir pelo mesmo caminho dela, pela luz. Podemos ser amigos. Por que não? Um monte de ex-casal o faz agora. Chama-se civilidade. A gente pode continuar morando juntos. Eu posso cozinhar para ela e ela pode me fazer a velha massagem nos meus pés antes de dormir. A gente pode ver um filme cult juntos, debaixo das cobertas, comendo pipoca salgada e dividindo vários copos de coca-cola. E eu poderia ajudá-la a escolher um namora... O quê?!?!
O que eu estou falando?!?! Ela não me quer mais! E ele só cozinhava quando tinha que cozinhar. Ele só se preparava quando tinha que se preparar. E ele só era especial quando o tinha de ser.
Ela disse: “não dá mais”. E eu achava que dava. Mas ela achava que não.
Ele não chorava, mas tinha que chorar. Guardava as lágrimas para mais tarde, quando ele estaria sozinho do jeito que não queria estar. Ele deitaria na cama sozinho, sem querer deitar. Ele fecharia os olhos, para ainda não se deixar chorar. E abraçaria o travesseiro dela, coisa que ele não deveria fazer.
Mas ela continuava a dizer coisas que ele não conseguia ouvir. Estava com os ouvidos fechados, pois não queria pensar. E ela falava:

- Não dá mais.
- O que?
- Isso?
- Quer ir para outro restaurante?
- Não!
- Não estou te entendendo.
- Acabou! Não dá mais para mim!
- O que acabou?
- Nós!
- ...

E ele pensava em tudo que não deveria pensar.

- É por isso! Por isso que eu não aguento mais!

E ele saía em devaneios, e não deveria devanear.

- Parece que eu estou falando com uma parede sem...

E ele voava como não deveria voar.

- Nem olhar para mim você olha! Parece que não quer...

E ele caía como não deveria cair.

- Você fica calado olhando pro nada!

E ele morria como não deveria morrer.

- Chega! Eu vou embora!

E ele morrera como não deveria ter morrido.

- Adeus!

E ela o deixou como não deveria tê-lo deixado.
Ali. Morto. Traído. Assassinado por sua própria poética.