5.6.11

Quem é você?

Estranho como as coisas antigas insistem em voltar. Não antigas de velho. Talvez envelhecidas pelo tempo, poluição, trabalho, preocupações. A gente volta. As gentes voltam. E voltam sem voltar. Voltam como nostalgia presente. Vê-los hoje me lembra dos tempos de antes. Me lembram de como eram e me fazem ponderar como mudaram, como chegaram na situação atual de hoje, quais foram os caminhos que percorreram, por quais experiências passaram. Me fazem desenhar duas retas históricas, a trajetória de vida em dois caminhos que tomaram em algum momento rumos diferentes. Talvez porque me mudei. Talvez porque mudamos. Onde estão os outros? Será que temos alguma coisa em comum? Quem serão eles? Eu os conheço? Talvez tivemos relação como de vida passada. Olho para ti e te reconheço de alguns traços que ficam mesmo depois de anos. Mas não te conheço 0 hoje. Quem é você?

1.6.11

A Porta

“Deixe-me só”. Essa foi sua última palavra quando saiu por aquela porta marrom de madeira comum. E ela falou dessa forma: deixe-me. Quem fala assim hoje em dia? Seria mais um ataque de raiva e ela voltaria mais tarde com uma tromba enorme de elefante, trocaria de roupa e deitaria na cama sem dar um pio, nem olhar para minha cara? Fiquei alguns minutos esperando e ponderando. Pedindo por aquele ataque de raiva. Mas, na verdade, ela estava mais calma do que nunca. Sua cabeça não estava baixa. Seus olhos não continham lágrimas. Não tinham nada. Parecia um vácuo azul - e pensei eu que o vácuo seria de cor preta. Os dela eram azuis. Não tinha nada. Fiquei rezando para que minha visão deturpada de lágrimas para cair e a falta de óculos estivessem me enganando. Fiquei rezando para que ela voltasse por aquela porta marrom suja. Mesmo não sabendo rezar, mesmo não tendo rezado um dia sequer na minha vida toda: eu rezava. Não me ajoelhava como nos filmes, só rezava. Algumas horas se passavam e eu tentava me entreter com a televisão quase no último volume, mas eu só queria ouvir a porta marrom cocô abrir. Prestava atenção ao silêncio de uma sala barulhenta. E o ouvia mais ensurdecedor e doído que mil alfinetadas pelo corpo. Não sabia rezar. E pedia. Implorava. Não por perdão. Não o pediria. Mas implorava que não houvesse uma droga de uma porta porcaria marrom. Quis socá-la, quis chutá-la, mas nada fiz. Só fiquei imaginando jogar-me contra a porta e não a quebrar. Deslizar por ela até o chão, em lágrimas agora marrons. Mas não o faria. Estávamos eu e ela azuis. Secos. Cansados. Abandonados. Deixados “só”.

“She’s gone to the movies now and she’s not coming home”. (Semisonic)