1.6.11

A Porta

“Deixe-me só”. Essa foi sua última palavra quando saiu por aquela porta marrom de madeira comum. E ela falou dessa forma: deixe-me. Quem fala assim hoje em dia? Seria mais um ataque de raiva e ela voltaria mais tarde com uma tromba enorme de elefante, trocaria de roupa e deitaria na cama sem dar um pio, nem olhar para minha cara? Fiquei alguns minutos esperando e ponderando. Pedindo por aquele ataque de raiva. Mas, na verdade, ela estava mais calma do que nunca. Sua cabeça não estava baixa. Seus olhos não continham lágrimas. Não tinham nada. Parecia um vácuo azul - e pensei eu que o vácuo seria de cor preta. Os dela eram azuis. Não tinha nada. Fiquei rezando para que minha visão deturpada de lágrimas para cair e a falta de óculos estivessem me enganando. Fiquei rezando para que ela voltasse por aquela porta marrom suja. Mesmo não sabendo rezar, mesmo não tendo rezado um dia sequer na minha vida toda: eu rezava. Não me ajoelhava como nos filmes, só rezava. Algumas horas se passavam e eu tentava me entreter com a televisão quase no último volume, mas eu só queria ouvir a porta marrom cocô abrir. Prestava atenção ao silêncio de uma sala barulhenta. E o ouvia mais ensurdecedor e doído que mil alfinetadas pelo corpo. Não sabia rezar. E pedia. Implorava. Não por perdão. Não o pediria. Mas implorava que não houvesse uma droga de uma porta porcaria marrom. Quis socá-la, quis chutá-la, mas nada fiz. Só fiquei imaginando jogar-me contra a porta e não a quebrar. Deslizar por ela até o chão, em lágrimas agora marrons. Mas não o faria. Estávamos eu e ela azuis. Secos. Cansados. Abandonados. Deixados “só”.

“She’s gone to the movies now and she’s not coming home”. (Semisonic)

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