Primeiro foi o beijo. Depois o sexo. Depois as flores. Depois o carinho diferente. Depois o amor. Sempre foi assim. Um depois do outro. O beijo. O sexo, as flores, o carinho, o “eu te amo”. Tudo sempre teve uma ordem certa. Eu sabia quando me apaixonar. Eu sabia como falar tudo que eu sentia. Sem medo. Relacionamento após relacionamento eu jurava ter encontrado a mulher da minha vida. O sexo sempre melhorava. Cada vez mais fazia mais sentido. Tínhamos gostos parecidos. Ela sempre me inspirava a fazer algo novo. Ou a fazer algo, for that matter. Estudar, escrever, desenhar. O amor sempre me inspirava, me movia. Olha eu aqui falando como se fosse coisa passada. Ainda faz. O amor me move. O amor me inspira, me fascina. Sou artista, oras. Preciso do amor. O amor depois do carinho, das flores, do sexo e do beijo.
É como se eu estivesse numa montanha-russa minha vida inteira – está aí porque não gosto do brinquedo de verdade. No começo está tudo sob controle. Estamos subindo. Tem sorrisos, tem conversa. Ela segura a minha mão. E lá em cima: amor. O pico, o mais alto que dá pra chegar. Lá de cima tudo se vê. Se tiver uma cidade toda ao redor, é isso que veremos. Se for uma grande floresta de árvores majestosas, veremos então estas, de um ângulo fantástico, como se, nesse momento, fossemos a luz que passa por entre as copas. Mas o brinquedo não para no pico. Decerto que o tempo lá em cima é mais lento. O movimento é mais lento. É quase um orgasmo. O mundo parece parar.
Mas não para.
Fui numa montanha-russa uma vez na minha vida. Uma pequena, sem loop nem nada. Mas foi assim que me senti: estava apavorada, mas entrei. Coloquei o braço de segurança, o sinto, rezei, evoquei meus santos protetores –eu, a ateia – e fui. Estava tudo bem na subida, sentia o vento fluir no meus cabelos. Não tinha a mínima ideia do que me aguardava. Quer dizer, sabia que tinha a descida, mas sempre via todos aqueles rostos assustados e felizes, gritos de adrenalina. Loucos. Quando começamos a descer, eu perdi o controle. Segurava com tanta força na barra que machuquei meus dedos. Sabia que se o braço de segurança não funcionasse, eu morreria. Eu não teria força para me segurar. Fomos descendo em curva. Para o meu desespero: para a direita, a merda do lado que escolhi sentar. Via o chão do alto. Naqueles segundos imaginei todas as maiores catástrofes que poderia acontecer num parque de diversões. Comigo. Para piorar tudo, o carrinho começou a subir novamente. Não estava mais tranquila nem na subida. Sabia que tudo se repetiria. E não tinha mais forças. Minhas mãos estavam doendo. Meu sangue parara de fluir e eu estava mais branca do que jamais estive em toda a minha existência. Na segunda descida chorei. Mais por dentro do que por fora, naqueles desesperos que não expõem lágrimas. Saí apoiada. Pessoas ao meu redor sorriam, na felicidade delas. Alguns pensaram que eu ia desmaiar. Mas não. Eu só queria sair de lá, sair de perto daquele brinquedo. Como um mandado de segurança, queria que aquele brinquedo não me perseguisse mais e que a distância mínima entre a gente fosse de dez metros. Dez metros a cada ano que eu aniversariasse, em progressão.
Não me lembro muito do depois. Se sentei e fumei um cigarro. É bem provável que sim. Quando se acha que a morte passou perto, fumar um cigarro é um jeito bem irônico de mandá-la se fuder, com o perdão do termo –Constantine.
Bom, o amor é bem isso aí. Nem tão lento, nem tão rápido. O tempo é diferente. Mais o percurso é o mesmo, quase. Uma subida, uma descida. Depois outra subida e uma descida mais desesperadora. E ainda tem otários que continuam andando nesse brinquedo idiota. Otários como eu.
A última montanha-russa que namorei tinha loop. Um loop gigantesco. Sabe o pico? É, a gente sobe, ama, desce, fica de cabeça para baixo, mas ainda no alto, e desce de novo e nas curvas já se está bêbado demais para lembrar de quem foi a culpa de entrar naquela bosta. Quando acaba eu choro. Peço para andar de novo. Falo que não tenho medo – idiota e mentirosa, ainda por cima. Cheguei até a sentar no carrinho esperando ele andar. Sentei lá por quatro meses inteiros. Peguei chuva, sol, vento. Bebi bastante durante esse tempo parada. Não produzi. Nem banho tomei. Conheci algumas pessoas interessantes que vinham me perguntar, com estranhamento, o que eu estava fazendo lá e por que eu chorava. É claro que por maior que seja o coração dessa gente, ninguém ia ficar passando perrengue lá à toa. Me falavam de outras montanhas-russas, mas eu só andaria de novo naquele brinquedo se fosse o mesmo. Não iria me arriscar mais por ninguém.
Mas alguém veio com um beijo. E com sexo. E com flores. Talvez tenham sido as flores, talvez antes. Quando saía daquele carrinho que eu habitava há quatro meses, ele deu um tranco. Ameaçou andar. E eu sem braço de proteção, sem nada, gritei. Pouco antes da ascendência, eu consegui sair. Fugi. Tive um medo desesperador de sentir tudo aquilo de novo. Imagina só! Um loop! De novo não. Não sei o que aconteceu com o carrinho. Acho que ele foi sozinho, ou alguém subiu nele logo depois que eu fugi. Eu não olhei para trás. Não queria me sentir daquele jeito nunca mais, nunca mais.
Mas, como eu havia começado a falar antes, alguém veio comum beijo. E com o sexo. E com as flores. E com o carinho. Tudo tinha uma ordem certa. Uma ascendência estilo montanha-russa. O sexo é melhor que todos os outros. Temos gostos e jeitos parecidos. Ela me inspira a estudar, escrever e desenhar. Sou artista mesmo. Poeta de prosa. Contos curtos de parque de diversões – nada divertidos, a não ser pela comida, haha. E o amor?
É aí que a coisa para de fazer sentido. Não sei mais falar o que eu sinto. Tenho um medo tão absurdo que come todas minhas frases e deixa cair migalhas – ironia: você pode ver/saber pequenas palavras e sílabas do que quer dizer, mas será impossível formar uma frase com o que sobrou. Amor, sim. Amor ainda tem (tenho). Afinal, estou escrevendo, não é mesmo? O amor me inspira. O que faltava descobrir é que o meu amor me inspira. Omeu amar. E én esse meu que se aloja a montanha-russa. O que eu descobri, meio que por acaso, é que eu sempre fui sozinha (com uma exceção que não merece a remoção do sempre).
Se era tanto um brinquedo assustador, porque sua falta me faz falta? Onde está o parque de diversões ao redor? Casas mal-assombradas ainda tem (ex). Comida? Sim: milho verde, algodão-doce, pipoca, sorvete. Palhaço? Com certeza sou eu – assumindo, por um instante incerto, que tem palhaço em parque de diversão, sim. Mas cadê os brinquedos?
O conhecido é fácil. Conheço montanhas-russas. Conheço parques. Sei aonde fica tudo em um parque. Sei atirar e ganhar bichinhos de pelúcia para dar para a namorada. Sei que não se corre na pista do bate-bate, porque senão você leva um tombo fantástico e, nesse mesmo brinquedo, sei dirigir fugindo da batida – direção defensiva desde criancinha. Sei onde fica a roda-gigante e, apesar de nunca ter subido numa – sei que de lá de cima a vista é melhor do que de todos os outros brinquedos. Sei onde está o barco-pirata e o quero longe, muito obrigada, meu estômago enjoado agradece. É, meu parque não é muito grande, nem muito variado. Sou de Brasília, por favor. Parques de diversão aqui, que eu conheço, só o Nicolândia: pequeno, sujo e velho.
[Momento lembrança: quando eu era pequena, eu gostava do parquinho. Gostava da nave espacial, da ponte que a gente atravessava até conseguir chegar na nave – um brinquedo só – para competir com as outras crianças de quem descia mais rápido. Era sempre qualquer outro que não eu. Não acho que se brinca com altura. Mas tinha que descer mais rápido, senão os outros pestinhas me pisavam a mão.]
Aonde eu estava? Ah, sim. O conhecido, mesmo que apavorante, é mais fácil. O que é pior? Fazer mil exercícios de matemática ou resolver um problema gigante que você já sabe de cabo-a-rabo como se faz? Pra quem gosta de matemática, por favor, desconsidere essa última metáfora. Enfim, o familiar é seguro.
Então o que se faz quando você não sabe de mais nada? Isso, boa ideia: senta e chora.Só que não.
Isso eu realmente não posso responder. Não sei a resposta, não sei como seguir. Só sei que comecei falando de amor. E terminei com gírias contemporâneas e uma escrita com muita oralidade. Mas eu havia avisado antes que não sabia mais falar.
O amor? O amor ainda tem. Veja só, consegui chegar até aqui.
Só não sei como continuar sozinha.
04/10/2013