2.12.13

Amor (OUTUBRO 2013)

Primeiro foi o beijo. Depois o sexo. Depois as flores. Depois o carinho diferente. Depois o amor. Sempre foi assim. Um depois do outro. O beijo. O sexo, as flores, o carinho, o “eu te amo”. Tudo sempre teve uma ordem certa. Eu sabia quando me apaixonar. Eu sabia como falar tudo que eu sentia. Sem medo. Relacionamento após relacionamento eu jurava ter encontrado a mulher da minha vida. O sexo sempre melhorava. Cada vez mais fazia mais sentido. Tínhamos gostos parecidos. Ela sempre me inspirava a fazer algo novo. Ou a fazer algo, for that matter. Estudar, escrever, desenhar. O amor sempre me inspirava, me movia. Olha eu aqui falando como se fosse coisa passada. Ainda faz. O amor me move. O amor me inspira, me fascina. Sou artista, oras. Preciso do amor. O amor depois do carinho, das flores, do sexo e do beijo.

É como se eu estivesse numa montanha-russa minha vida inteira – está aí porque não gosto do brinquedo de verdade. No começo está tudo sob controle. Estamos subindo. Tem sorrisos, tem conversa. Ela segura a minha mão. E lá em cima: amor. O pico, o mais alto que dá pra chegar. Lá de cima tudo se vê. Se tiver uma cidade toda ao redor, é isso que veremos. Se for uma grande floresta de árvores majestosas, veremos então estas, de um ângulo fantástico, como se, nesse momento, fossemos a luz que passa por entre as copas. Mas o brinquedo não para no pico. Decerto que o tempo lá em cima é mais lento. O movimento é mais lento. É quase um orgasmo. O mundo parece parar.

Mas não para.

Fui numa montanha-russa uma vez na minha vida. Uma pequena, sem loop nem nada. Mas foi assim que me senti: estava apavorada, mas entrei. Coloquei o braço de segurança, o sinto, rezei, evoquei meus santos protetores –eu, a ateia – e fui. Estava tudo bem na subida, sentia o vento fluir no meus cabelos. Não tinha a mínima ideia do que me aguardava. Quer dizer, sabia que tinha a descida, mas sempre via todos aqueles rostos assustados e felizes, gritos de adrenalina. Loucos. Quando começamos a descer, eu perdi o controle. Segurava com tanta força na barra que machuquei meus dedos. Sabia que se o braço de segurança não funcionasse, eu morreria. Eu não teria força para me segurar. Fomos descendo em curva. Para o meu desespero: para a direita, a merda do lado que escolhi sentar. Via o chão do alto. Naqueles segundos imaginei todas as maiores catástrofes que poderia acontecer num parque de diversões. Comigo. Para piorar tudo, o carrinho começou a subir novamente. Não estava mais tranquila nem na subida. Sabia que tudo se repetiria. E não tinha mais forças. Minhas mãos estavam doendo. Meu sangue parara de fluir e eu estava mais branca do que jamais estive em toda a minha existência. Na segunda descida chorei. Mais por dentro do que por fora, naqueles desesperos que não expõem lágrimas. Saí apoiada. Pessoas ao meu redor sorriam, na felicidade delas. Alguns pensaram que eu ia desmaiar. Mas não. Eu só queria sair de lá, sair de perto daquele brinquedo. Como um mandado de segurança, queria que aquele brinquedo não me perseguisse mais e que a distância mínima entre a gente fosse de dez metros. Dez metros a cada ano que eu aniversariasse, em progressão.

Não me lembro muito do depois. Se sentei e fumei um cigarro. É bem provável que sim. Quando se acha que a morte passou perto, fumar um cigarro é um jeito bem irônico de mandá-la se fuder, com o perdão do termo –Constantine.

Bom, o amor é bem isso aí. Nem tão lento, nem tão rápido. O tempo é diferente. Mais o percurso é o mesmo, quase. Uma subida, uma descida. Depois outra subida e uma descida mais desesperadora. E ainda tem otários que continuam andando nesse brinquedo idiota. Otários como eu.

A última montanha-russa que namorei tinha loop. Um loop gigantesco. Sabe o pico? É, a gente sobe, ama, desce, fica de cabeça para baixo, mas ainda no alto, e desce de novo e nas curvas já se está bêbado demais para lembrar de quem foi a culpa de entrar naquela bosta. Quando acaba eu choro. Peço para andar de novo. Falo que não tenho medo – idiota e mentirosa, ainda por cima. Cheguei até a sentar no carrinho esperando ele andar. Sentei lá por quatro meses inteiros. Peguei chuva, sol, vento. Bebi bastante durante esse tempo parada. Não produzi. Nem banho tomei. Conheci algumas pessoas interessantes que vinham me perguntar, com estranhamento, o que eu estava fazendo lá e por que eu chorava. É claro que por maior que seja o coração dessa gente, ninguém ia ficar passando perrengue lá à toa. Me falavam de outras montanhas-russas, mas eu só andaria de novo naquele brinquedo se fosse o mesmo. Não iria me arriscar mais por ninguém.

Mas alguém veio com um beijo. E com sexo. E com flores. Talvez tenham sido as flores, talvez antes. Quando saía daquele carrinho que eu habitava há quatro meses, ele deu um tranco. Ameaçou andar. E eu sem braço de proteção, sem nada, gritei. Pouco antes da ascendência, eu consegui sair. Fugi. Tive um medo desesperador de sentir tudo aquilo de novo. Imagina só! Um loop! De novo não. Não sei o que aconteceu com o carrinho. Acho que ele foi sozinho, ou alguém subiu nele logo depois que eu fugi. Eu não olhei para trás. Não queria me sentir daquele jeito nunca mais, nunca mais.

Mas, como eu havia começado a falar antes, alguém veio comum beijo. E com o sexo. E com as flores. E com o carinho. Tudo tinha uma ordem certa. Uma ascendência estilo montanha-russa. O sexo é melhor que todos os outros. Temos gostos e jeitos parecidos. Ela me inspira a estudar, escrever e desenhar. Sou artista mesmo. Poeta de prosa. Contos curtos de parque de diversões – nada divertidos, a não ser pela comida, haha. E o amor?

É aí que a coisa para de fazer sentido. Não sei mais falar o que eu sinto. Tenho um medo tão absurdo que come todas minhas frases e deixa cair migalhas – ironia: você pode ver/saber pequenas palavras e sílabas do que quer dizer, mas será impossível formar uma frase com o que sobrou. Amor, sim. Amor ainda tem (tenho). Afinal, estou escrevendo, não é mesmo? O amor me inspira. O que faltava descobrir é que o meu amor me inspira. Omeu amar. E én esse meu que se aloja a montanha-russa. O que eu descobri, meio que por acaso, é que eu sempre fui sozinha (com uma exceção que não merece a remoção do sempre).

Se era tanto um brinquedo assustador, porque sua falta me faz falta? Onde está o parque de diversões ao redor? Casas mal-assombradas ainda tem (ex). Comida? Sim: milho verde, algodão-doce, pipoca, sorvete. Palhaço? Com certeza sou eu – assumindo, por um instante incerto, que tem palhaço em parque de diversão, sim. Mas cadê os brinquedos?

O conhecido é fácil. Conheço montanhas-russas. Conheço parques. Sei aonde fica tudo em um parque. Sei atirar e ganhar bichinhos de pelúcia para dar para a namorada. Sei que não se corre na pista do bate-bate, porque senão você leva um tombo fantástico e, nesse mesmo brinquedo, sei dirigir fugindo da batida – direção defensiva desde criancinha. Sei onde fica a roda-gigante e, apesar de nunca ter subido numa – sei que de lá de cima a vista é melhor do que de todos os outros brinquedos. Sei onde está o barco-pirata e o quero longe, muito obrigada, meu estômago enjoado agradece. É, meu parque não é muito grande, nem muito variado. Sou de Brasília, por favor. Parques de diversão aqui, que eu conheço, só o Nicolândia: pequeno, sujo e velho.

[Momento lembrança: quando eu era pequena, eu gostava do parquinho. Gostava da nave espacial, da ponte que a gente atravessava até conseguir chegar na nave – um brinquedo só – para competir com as outras crianças de quem descia mais rápido. Era sempre qualquer outro que não eu. Não acho que se brinca com altura. Mas tinha que descer mais rápido, senão os outros pestinhas me pisavam a mão.]

Aonde eu estava? Ah, sim. O conhecido, mesmo que apavorante, é mais fácil. O que é pior? Fazer mil exercícios de matemática ou resolver um problema gigante que você já sabe de cabo-a-rabo como se faz? Pra quem gosta de matemática, por favor, desconsidere essa última metáfora. Enfim, o familiar é seguro.

Então o que se faz quando você não sabe de mais nada? Isso, boa ideia: senta e chora.Só que não.

Isso eu realmente não posso responder. Não sei a resposta, não sei como seguir. Só sei que comecei falando de amor. E terminei com gírias contemporâneas e uma escrita com muita oralidade. Mas eu havia avisado antes que não sabia mais falar.

O amor? O amor ainda tem. Veja só, consegui chegar até aqui.

Só não sei como continuar sozinha.


04/10/2013

Vinho e Bowie (baseado em uma história quase completamente real) (AGOSTO 2013)

Não tinham muito em comum, mas sabiam que se amavam. Fazia pouco tempo. Pouquíssimo mesmo. Ele novo, ela nem tanto. Como história de Legião. Ele gay, ela lésbica. Se conheceram meio que sem querer por entre palavras e amigos e histórias. Apaixonaram-se. Não tinham muito em comum senão o gosto pelo bonito, pelo carinho. Gostavam das mesmas músicas e falavam quase as mesmas frases. Ela, por vezes, burburinhava em francês, pelo prazer do cult. Ele não. Tinha mais de frases curtas e certeiras, daquelas que acertavam bem em cheio o coração - dela.
Não se viam sempre. Ela, trabalhando. Ele, estudando, pintando. Era um exímio artista. Ela escrevia. E se amavam na arte. Era como se fosse uma arte de amar. Não tinham muito conhecimento sobre as habilidades artísticas um do outro. Conheciam pouca coisa, mas tinham uma admiração que parecia ter vindo de outras vidas. Então o que amavam era o amar. E não era nenhum amor carnal. Era daqueles puros que não se vê mais nem em contos de fadas.
Amavam se amar. Se amavam virtualmente. Combinavam encontros artísticos, mas a rotina impedia que esses episódios acontecessem. E ficavam assim: amando a imagem virtual do outro. Idealizando um encontro com vinho - se tivessem dinheiro para fazer isso acontecer. Vinho de 18 reais para cima, por favor. Pelo Bowie. Pelo gosto do cult, o novo cult pobre - aquele que gasta suas economias no deleite da arte, com um vinho; a culpa é do vinho.
Trocavam carícias em palavras. Palavras de carinho, de admiração, de amor. E nunca haviam se abraçado. Talvez uma vez como quem acabou de se conhecer. Mas não tinha acontecido qualquer outro abraço sequer até o presente dia. Mas tinha amor. E uma vontade mútua de se fazerem bem. Seja por solidão ou carência. Estavam ali, um para o outro, como se não houvesse ninguém mais. E não havia. Falavam em casamento como se aquilo pudesse dar certo. Sabiam que não. O amor era puro. Não econômico, não patrimonial. Não era um contrato. Era um acordo, um partilhar de bens abstratos: amor, carinho, arte, beleza. Se tivessem mais em comum, se amariam mais. Mas aquele tanto já era o bastante. Sabiam pouco e aquele conhecimento era suficiente.

Ali, entre os dois, não tinham medo algum da desilusão.
quase 

Personagem/Imagem (MARÇO 2012)

Se as pessoas criam personagens/imagens, permita-me então, criar um eu, como uma criança teimosa que quer ser do jeito que ela bem entender - e que não sou.

Eu seria uma fantasia alta, quase altiva. Colorida, não como um palhaço, mas uma cor que chamasse atenção das outras cores que não chamam. A blusa seria em tamanho maior, sobressaindo-se do tamanho do meu corpo, caindo para um lado, como se eu não tivesse escolha e se pudesse cair. A calça seria justa, com culotes mais avantajados para brincar de bobo da corte quando assim me desse vontade. Usaria sapatos de couro vinho com desenhos femininos, costurados em sua lateral. Penso nesses sapatos que acho deveras lindo, mas não os compro porque não saberia com o que usar. Para terminar o personagem, haveria uma máscara, claro. Um máscara prateada, glamourosa, estonteante. Brilhante ao redor e com cores desenhadas nela, por um artista que não eu, pois não tenho traços assim marcantes.

Apesar da exatidão da escolha da roupa, ela não seria exata. Como todos no mundo, ela teria defeitos - até porque minhas habilidades de costura não permitem perfeição. Ela teria costuras duplas, algumas linhas soltas, alguns fios à mostra e algumas falhas de ponto. Teria alguns buracos de costura usada e desgastada, bem como uma pessoa que já viveu o bastante para os tê-los. Algumas linhas são visíveis, mas os desgastes são recalcados. Aparecem de bem perto, mesmo que não necessitem tamanha atenção para vê-los.

Para completar o look e deixar a coisa mais exótica, pequenas luvas cobririam minhas mãos, como se eu tivesse nojo de tocar algo com a palma, mas não com as pontas dos dedos. Protegeriam meus pulsos e parte da minha mão. Seriam de listras de tons de azuis claros, quase brancos. Permitiriam anéis prateados nos dedos. Uns dois. Um no dedão, como um aro, um bambolê com certo volume. Outro no dedo médio, uma jóia, nada verdadeira, mas que passa um ar romântico de alguém que espera algo. E eu estaria esperando. Eu estaria esperando você de fantasia. Algo irreconhecível por favor, que eu só saberia pelos traços e detalhes da sua pele à mostra - que eu já conheço bem. Mas eu não vou te desenhar, não vou te traduzir. Vou permitir que você o faça, que você tenha seu próprio personagem e que esse a siga sem ser atrapalhado por sombras e fantasmas que os outros inventam. E esse personagem que criaram para mim, e essa roupa de monstro que me fizeram vestir em momentos peculiares está guardada no armário. Eu não a uso, mas a tenho - dentro de mim.