2.12.13

Vinho e Bowie (baseado em uma história quase completamente real) (AGOSTO 2013)

Não tinham muito em comum, mas sabiam que se amavam. Fazia pouco tempo. Pouquíssimo mesmo. Ele novo, ela nem tanto. Como história de Legião. Ele gay, ela lésbica. Se conheceram meio que sem querer por entre palavras e amigos e histórias. Apaixonaram-se. Não tinham muito em comum senão o gosto pelo bonito, pelo carinho. Gostavam das mesmas músicas e falavam quase as mesmas frases. Ela, por vezes, burburinhava em francês, pelo prazer do cult. Ele não. Tinha mais de frases curtas e certeiras, daquelas que acertavam bem em cheio o coração - dela.
Não se viam sempre. Ela, trabalhando. Ele, estudando, pintando. Era um exímio artista. Ela escrevia. E se amavam na arte. Era como se fosse uma arte de amar. Não tinham muito conhecimento sobre as habilidades artísticas um do outro. Conheciam pouca coisa, mas tinham uma admiração que parecia ter vindo de outras vidas. Então o que amavam era o amar. E não era nenhum amor carnal. Era daqueles puros que não se vê mais nem em contos de fadas.
Amavam se amar. Se amavam virtualmente. Combinavam encontros artísticos, mas a rotina impedia que esses episódios acontecessem. E ficavam assim: amando a imagem virtual do outro. Idealizando um encontro com vinho - se tivessem dinheiro para fazer isso acontecer. Vinho de 18 reais para cima, por favor. Pelo Bowie. Pelo gosto do cult, o novo cult pobre - aquele que gasta suas economias no deleite da arte, com um vinho; a culpa é do vinho.
Trocavam carícias em palavras. Palavras de carinho, de admiração, de amor. E nunca haviam se abraçado. Talvez uma vez como quem acabou de se conhecer. Mas não tinha acontecido qualquer outro abraço sequer até o presente dia. Mas tinha amor. E uma vontade mútua de se fazerem bem. Seja por solidão ou carência. Estavam ali, um para o outro, como se não houvesse ninguém mais. E não havia. Falavam em casamento como se aquilo pudesse dar certo. Sabiam que não. O amor era puro. Não econômico, não patrimonial. Não era um contrato. Era um acordo, um partilhar de bens abstratos: amor, carinho, arte, beleza. Se tivessem mais em comum, se amariam mais. Mas aquele tanto já era o bastante. Sabiam pouco e aquele conhecimento era suficiente.

Ali, entre os dois, não tinham medo algum da desilusão.
quase 

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